O “Disfarçado” de Maria Pratas e Carlos Manuel Gonçalves

Uma dupla fusão de talentos: entrevista com Maria Pratas e Carlos Manuel Gonçalves

Colaborações artísticas à distância parecem-lhe estranho? Saiba como dois artistas superaram todas as barreiras numa exposição conjunta.

Maria Pratas Carlos Manuel GoncalvesEm maio passado, durante a prestigiada Lisbon by Design, e também parte integrante da Lisbon Design Week, dois artistas, uniram-se para criar algo verdadeiramente único. Esta colaboração resultou numa peça excepcional de intervenção dupla, que reflecte a sinergia das suas visões artísticas, além das obras individuais que destacam a singularidade de cada um.

Ficámos fascinados com a exposição e a nova peça e as peças de ambos, o que despertou a nossa curiosidade sobre como esta junção artística aconteceu. Para satisfazer a curiosidade, decidimos enviar convite para uma Entrevista a que ambos os criadores responderam prontamente. Saber mais sobre esta colaboração inspiradora era o nosso objectivo e conseguimos. Nesta entrevista, exploramos os bastidores do processo criativo, os desafios e as recompensas de trabalhar juntos, e como cada artista manteve a sua identidade única, enquanto colaboraram para produzir as obras extraordinárias que conhecemos.

OS ARTISTAS MARIA PRATAS E CARLOS MANUEL GONÇALVES

Maria Pratas, nascida em Coimbra, é uma artista e escultora têxtil portuguesa, reconhecida pela habilidade em transformar materiais em tridimensionalidades. Com uma formação inicial em educação visual, centrada em conteúdos visuais e na bidimensionalidade, a dada altura do seu percurso sentiu a necessidade de explorar uma dimensão mais completa, desenvolvendo um estilo único no campo da arte têxtil. Incorpora os conhecimentos tradicionais dos antigos artesãos no seu trabalho contemporâneo, fundindo diversas matérias-primas e técnicas na criação de objectos carregados de histórias e significados. No seu atelier, o território dos fios domina todo o processo criativo, e reflecte uma dedicação intensa ao abraçar entusiasticamente ambientes artísticos eclécticos – imagina as suas criações a ganharem vida em espaços distintos e transformadores, que honram tanto a funcionalidade como a expressão artística.

 

Maria Pratas

A Maria Pratas é ainda membro da Homo Faber (Michelangelo Foundation For Creativity & Craftsmanship), é Membro da comunidade de artesãos contemporâneos, a Portugal Manual e representada pela DoubleJ Gallery para o Médio Oriente e conta no seu portfólio, integrações das suas peças em várias espaços nacionais e internacionais.

Carlos Manuel Gonçalves, nasceu no Alentejo, e desde novo desenvolveu uma conexão com a vida rural, inspirando-o nas suas criações. Foi na pandemia que Carlos Manuel Gonçalves transformou um hobby na sua profissão actual. Agarrou na sua grande paixão pela cerâmica e nas suas memórias de infância, e criou obras que evocam as criaturas que viviam na sua imaginação, os animais da quinta e as pessoas do campo.

 

Apresentou a sua primeira exposição, em 2022, na Pura Cal no Lx Factory, o “Monstruário”, e desde então participou ainda na Venice Design Week, na exposição colectiva “Of Forms and Origins” onde ganhou o prémio “Voice of the Public Award”. Recentemente, realizou uma exposição em Leiria, a “Com-Tradição” e participou na Lisbon By Design.

UMA colaboração ARTÍSTICA DE SUCESSO

– Olá Maria e Carlos! Obrigado por terem aceite o convite para a construção desta entrevista. Para iniciar, Maria pode falar um pouco sobre o seu percurso, e de como chegou ao mundo do design?

 A curiosidade por conhecer como funcionam os objectos esteve presente desde sempre. Em criança as ferramentas foram a grande descoberta para transformar o material que tinha mais à mão e o prolongamento das mãos para desmontar um mecanismo. As manualidades e o sentido apurado e intuitivo no encontro da solução mais ajustada era um desafio e um entretenimento diário. A disciplina do design envolve um planeamento atento e cuidado. A criação, no meu caso, de esculturas, onde a ligação entre forma-função e a estética se estreitam harmoniosamente para que a peça resulte num determinado ambiente com uma vida longa.

– Carlos, pode contar-nos um pouco sobre o seu percurso e como chegou ao mundo do design? 

A cerâmica apareceu na minha vida de forma ocasional. Pouco antes da altura da pandemia era apenas um hobby, uma espécie de terapia que, por conta das circunstâncias na altura, e de forma muito inesperada, se viria a tornar na minha profissão a tempo inteiro.  O sector da cultura foi um dos mais afectados na época. E ter ficado sem trabalho foi a “desculpa perfeita” para começar a partilhar as minhas primeiras peças. As coisas foram avançando e evoluindo de forma muito natural e orgânica a partir daí, e nunca mais parei.

– Para si, Carlos, qual é a sua maior conquista a nível profissional? 

Acho que ter o privilégio de poder viver da arte num país como o nosso, é já por si só uma conquista enorme. Tenho a sorte do meu trabalho chegar às pessoas. E sinto que isso é a maior conquista que poderia ter. Neste meu percurso já aconteceram obviamente pequenas vitórias que devem ser assinaladas. Vou enumerar duas. Uma foi ter participado na Venice Design Week, no ano de 2022 em Veneza. E a outra foi ter aberto recentemente o atelier em nome próprio, em Lisboa.  

– E para si Maria qual é a sua maior conquista?

O reconhecimento pelos meus pares tem sido talvez uma das maiores conquistas, a par das propostas para criar uma escultura para um determinado espaço, são momentos altos e constantes no meu percurso, que me deixam surpreendida e feliz. Ser reconhecida pela Homo Faber (Michelangelo Foundation For Creativity & Craftsmanship) como master artisan e ter participado na Révélations International Biennial, Paris, 2023.

– Já sabemos que realizaram uma colaboração na Lisbon by Design 2024, onde apresentaram uma peça que junta duas formas diferentes de design. Como se conheceram e o que deu azo à colaboração? 

Nós conhecemo-nos já há algum tempo, temos uma relação quase diária e vamos partilhando alguns momentos profissionais que nos permitem conhecer em detalhe o trabalho de ambos. Partilhar uma sala nesta edição da LbD foi um desafio que aceitamos quando o convite direccionado a ambos durante um almoço, e que nos surpreendeu bastante. Ainda no restaurante desenhamos e selamos logo ali o conceito do espaço expositivo. O entusiasmo de ligarmos áreas diferentes incitou pontos de ligação e levou-nos mais longe, quando o Disfarçado, o nome da nossa peça, nasceu.


– Como é que a cerâmica artesanal e a técnica tradicional da cestaria se complementam?

(Maria) De uma forma muito orgânica, natural. São ambas técnicas ancestrais que se acompanham desde sempre, e que nós apenas as ligamos através da linguagem de ambos. (Carlos) O processo não poderia ter sido mais fluido. Após definirmos a ideia base, a peça nascia naturalmente. Desde o início o entusiasmo foi sempre maior que o próprio desafio.  

– Como descreveriam o processo criativo nesta colaboração? E porquê o nome “Disfarçado”? 

É uma peça escultórica que abraça a cerâmica e o têxtil. O ponto de partida foi uma peça tradicional – a trempe – porque ambos temos nas nossas colecções contentores de formas arredondadas, somos inspirados por jarras, por jarrões… mas não queríamos nada disso e deixámos que tudo acontecesse livremente, tendo em conta apenas aspectos técnicos na execução dos elementos cerâmicos. A forma foi surgindo, a peça ganhou vida própria e cresceu apenas com a ajuda das nossas mãos. Disfarçado porque a vida que ganhou tomou conta rapidamente de si próprio disfarçando a timidez com que nasceu e mostra-se com a expressão que mais lhe ou nos convém. Experimente-se olhar bem para ele!

 

Disfarcado 2

– Quais foram os maiores desafios que enfrentaram ao desenvolver a peça, e o que inspirou a criação da mesma? 

O desafio maior foi a distância geográfica entre os nossos espaços de trabalho, e o tempo que a cerâmica precisa para repousar/secar teve de ser conciliado com a cronologia do prazo para a finalizar. Somos inspirados pelo trabalho um do outro, e o entusiasmo pelo desafio que nos colocámos foi o gatilho para aceitarmos muito bem as ideias de cada um que iam surgindo nas video-calls. Sim, foi uma peça feita à distância. Mas a paixão que depositamos neste projecto desde o início superou qualquer barreira.

– A Maria e o Carlos têm planos para continuar a colaborar em futuros projetos? Se sim, podem adiantar algo sobre esses projetos? 

O Disfarçado foi a concretização de um impulso que não contávamos, mas que temos a certeza que foi apenas o primeiro. Já não está disponível! Há uma vontade mútua para que outros Disfarçados venham a surgir, com novas cores, formas e personalidades.

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– Qual foi o maior impacto que a Lisbon by Design trouxe para ambos? Era o que esperavam?

(Maria) Sim, foi o momento de mostrar uma colecção que estava pensada há algum tempo e que esperava pelo momento certo para ser apresentada. É uma colecção diferente por não ser colorida, com uma escala grande, por congregar têxtil, grés e prata e foi uma vontade satisfeita também por ter tido uma óptima receptividade.

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(Carlos) Foi muito gratificante poder partilhar o meu trabalho com quem não o conhecia ainda. Numa mostra tão conceituada, repleta de artistas tão talentosos. Penso que o feedback superou todas as nossas expectativas.  


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– Que conselhos dariam a jovens designers que estão agora a começar as suas carreiras?

(Maria) Trabalhar bastante, procurar experiências criativas, conhecer outros mundos, ser autêntico na identidade e estar disponível para receber retornos sobre resultados.

(Carlos) Nunca descorar a nossa essência e identidade artística, procurando sempre evoluir a cada dia. E fazer tudo com muita entrega, sem esperar nada em troca. Quando as coisas vêm cá de dentro, a nossa verdade é sempre bem aceite e compreendida.

– Muito obrigado pelo vosso tempo e disponibilidade, Maria e Carlos.

Antes de terminarmos, têm algum projecto actual ou futuro, que gostariam de partilhar com os leitores?

(Maria Pratas) Sim, estou a preparar uma exposição em Lisboa, a inaugurar em julho, com detalhes do sul. Terá cheiro a verão e convidará ao slow living! Dar continuidade às solicitações para experiências criativas no meu atelier, é o que está na agenda a par de uma colaboração num projecto especial, grande e único que vai ser apresentado até ao final deste ano.

(Carlos Manuel Gonçalves) Após a Lisbon by Design surgiu um projecto no qual estou a participar neste momento. Uma galeria privada com os artistas mais conceituados do nosso país. Tendo inaugurado uma exposição em Leiria há poucos meses atrás, quero aproveitar os próximos meses para abrandar um pouco o ritmo, e organizar a agenda e todos os pedidos que tenho em espera. Há também muitas ideias na cabeça a que quero dar vida.

Entrevista realizada por Margarida Braga Anjos.

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