Toni Grilo conversa depois de um encontro com uma curadoria de luxo.

A carreira e visão de Toni Grilo: da École Boulle a uma curadoria de luxo


“Em tempos de mudança, de crise e instabilidade internacional, é costume cortar nos investimentos na cultura e na inovação. As empresas arriscam menos, esperam por melhores tempos e por consequência há menos trabalho para os designers. No entanto, é precisamente nestes momentos de transição que é preciso reinventar-se, projectar o futuro. Uma ideia simples, política, seria a criação de bolsas de criatividade para ajudar as empresas a investir no design.”

 

Toni Grilo é, sem dúvida, uma figura central no panorama do design contemporâneo português, e a sua carreira reflete a fusão perfeita entre a tradição artesanal, tanto nacional como internacional, e a inovação criativa. Com uma formação sólida em Paris e uma relação estreita com a indústria portuguesa, actualmente a viver no Porto, tem-se destacado pela criação de peças que, além de traduzirem uma visão estética única, incorporam a sua profunda consciência ambiental, o futuro do design e uma notável pluridisciplinaridade. Profissional de perfil discreto e postura serena, Toni Grilo enfrenta os desafios com uma tranquilidade que não oculta a sua determinação, mantendo os olhos sempre voltados para o caminho à sua frente. Aprecie-se ou não as suas peças, o reconhecimento pela sua vasta experiência e pela singularidade da sua visão é inegável.

A entrevista que apresentamos de seguida não é meramente circunstancial; ela marca o início de uma relação profissional que se aprofundará ao longo do próximo ano, e terá como base o encanto de ambos (designer e Portugal Faz Bem) pela indústria. Em breve, algumas peças da Blackcork, marca da qual Toni Grilo é director criativo e que tem produção na fábrica de cortiça Sofalca, estarão presentes no Museu de Arte Contemporânea, alinhando-se com a ampliação da Loja do Museu e Curadoria que mantemos. Essas peças integrarão o conjunto das 15 marcas já representadas, de diferentes gerações e experiências, vêm aumentar e gozar das sinergias já criadas. 

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CACAO CHAISE LONGUE. Blackcork

A Blackcork foi fundada em 2014 pela Sofalca, no decorrer de um convite a Toni Grilo para assumir a direcção criativa. Esta marca de mobiliário, 100% portuguesa, tem como principal objectivo o uso inovador da cortiça expandida, especialmente desenvolvida para esse fim. Com o toque único do designer, a marca acrescenta uma visão contemporânea a este material secular, conferindo-lhe uma nova relevância que a gestão da fábrica procurava, para a projectar internacionalmente, utilizando o design e o designer, como veículo para alcançar esse fim.

Nesta entrevista, exploramos a sua visão sobre o design português, a sua evolução enquanto criador e as suas colaborações mais recentes, incluindo a desafiante curadoria da coleção de luxo da Topázio, que celebra agora os seus 150 anos de história.

Nem tudo sobre Toni será revelado agora. Em breve, teremos uma conversa gravada, algo que já ficou combinado para 2025! Quem sabe no MNAC :-)…

Lemos que depois da sua graduação, na École Boulle em Paris, seguiu para Portugal e se encantou em 2001 com “a rich industrial and craft country”. Ainda mantém a mesma opinião? O que há de especial na indústria portuguesa? Como foi a escolha da profissão de designer?

Passado tantos anos, continuo com a mesma opinião. Para um designer de produto como eu é uma dádiva ter uma indústria competente e um artesanato talentoso à porta de casa. É verdade que há vinte anos era mais difícil abrir portas, mas hoje o designer é bem aceitado.

A escolha da profissão de designer foi quase uma evidência. Sabia desde pequeno que queria seguir um rumo criativo, descobri depois que existiam pessoas que desenhavam tudo à nossa volta, isso fascinou-me.

O retrato do tempo a partir de objectos, imprime uma verdade inquestionável porque é visível. Como é que se exprime a sua evolução profissional e do seu saber, tendo em conta as peças criadas até hoje?

A curiosidade, ou a atracção pelo conhecimento, é a base da nossa profissão. Como desenhar um objecto se não sabemos como se produz? Temos que “saber para fazer”. Ou “fazer para saber” também é verdade por vezes.

A evolução do meu trabalho? Na verdade, não tenho opinião sobre isto. Não olho para trás, a ideia de fazer um balanço do que foi feito até hoje não me passa pela cabeça. O ontem interessa pouco, o amanhã sim.

Poderia descrever algum projecto específico que tenha marcado a sua carreira, e explicar por que razão foi tão significativo?

Em 2005, a ourivesaria Christofle em Paris deu-me carta branca para criar uma colecção especial, em edição limitada. Foi então um sucesso, teve um grande impacto, com diversas exposições internacionais. Foi provavelmente um momento de viragem na minha carreira, uma boa experiência para um jovem criativo na altura.

Por acaso, a Christofle tem actualmente uma exposição histórica no Musée des Arts-Décoratifs em Paris, e podemos ver peças desta colaboração.

O que o inspira no trabalho diário como designer? Hoje, onde é que encontra a plenitude? 

Para ser sincero, acho que uma pessoa criativa não consegue realmente encontrar a plenitude. Somos uns eternos insatisfeitos e inquietos, por isso sentimos a necessidade de criar e recriar constantemente.

Não acredito na ideia de “inspiração”, o dia-a-dia é feito de resolução de problemas, apenas o tentamos fazer da forma mais poética e honesta.

Portugal volta muito ao ponto zero apontando em várias esferas, tendo uma enorme dificuldade em realizar trabalho institucional contínuo. Como vê a evolução do design no país nos últimos anos? Há evolução?

O design português está a evoluir de forma natural, lentamente, pelo esforço contínuo dos designers, da indústria, das marcas (que são poucas). Infelizmente não existe apoio institucional relevante que poderia incentivar o desenvolvimento do design. O design ainda não é visto como uma ferramenta essencial para o desenvolvimento cultural e industrial do país. Há muitos incentivos para investimentos em máquinas, não para a criação: assim o país continua a ser apenas produtor, não criador.

Poderia partilhar a sua visão sobre a consciência da sustentabilidade no design português? Como integra práticas sustentáveis nos seus projectos e peças?

A sustentabilidade não é uma opção, é uma obrigação. Defendo que deve fazer parte integrante do processo do design, simplesmente. Eu tenho esta consciência em todos os projectos, sem necessidade de os exprimir de maneira óbvia, e tento aconselhar ao máximo os clientes.

A questão da ecologia é muito importante. Tenho noção que o design, que pode ser considerada uma ferramenta do capitalismo, contribui de certa forma a produzir mais, o que não é bom para o planeta. É uma realidade que me preocupa e ponho em questão a minha profissão. Não quero ser alarmista e radical, temos que usar a nossa posição que dá origem ao produto para tentar mudar um pouco o sistema, ajudar a melhorar o processo produtivo e a escolha dos materiais, de forma a evitar consequências negativas.

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CUT CHAIR e CUT LOUNGE CHAIR. Blackcork

Acredita que o design português tem um estilo ou identidade própria? Se sim, como descreveria essa identidade, e se é ela que desperta hoje interesse na comunidade internacional?

Existe sempre uma relação entre a cultura e a criatividade. A nossa forma de viver influencia obviamente o design. Dito isto, não acredito que haja realmente uma identidade única e comum no design português, um estilo típico. Seria limitador para mim. Não podemos colocar todos os designers na mesma caixa: cada indivíduo tem a sua própria identidade, a criatividade não se limita a fronteiras.

Quais são as suas expectativas para o futuro do design em Portugal, tendo em conta que a segunda edição da semana do design em Lisboa excedeu as expectativas, e se apresentou vibrante?

Portugal abriu-se ao mundo, a comunidade internacional visita o país e até mesmo, muita gente decide viver na nossa terra. O lado bom é o enriquecimento cultural. Vivemos um tempo em que pessoas de fora olham para nós, no que fazemos, e nos dizem que somos bons. Finalmente há um orgulho português.

A Lisbon Design Week é o perfeito exemplo da paixão crescente por Portugal e pelo design português. Mas nada é adquirido, há sempre que lutar mais.

Como descreve a sua relação com a indústria e produção portuguesa? De que forma esta relação influenciou o seu trabalho? 

Tenho uma boa relação com a indústria. Sou uma pessoa muito técnica, apaixonada por processos e materiais, falo a mesma linguagem com um fabricante e isso fez com que eu desenvolvesse boas parcerias. Adoro estar num ambiente de fábrica, é uma fonte de inspiração importante para mim.

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MANY WORLDS SOFA, LINE CHAIR, BIDENDUM CHAIR. Riluc

Quais são as vantagens e desafios de colaborar com a indústria portuguesa em termos de produção e inovação?

Trabalhar com a indústria em Portugal é um desafio constante. Os prazos são sempre urgentes, os custos limitados. Falo do sector de mobiliário. Por um lado, é um defeito, mas também uma dádiva, pois o “desenrasque nacional” faz milagres. Infelizmente não há tempo, nem meios para experimentação. E por consequência, pouco se fala em inovação.

Quais são as suas expectativas para o futuro do design em Portugal? Há algum aspecto que revele urgência, que precise de ser desenvolvido no imediato?

O design interessa-me pouco. Os designers, as pessoas, sim.

Em tempos de mudança, de crise e instabilidade internacional, é costume cortar nos investimentos na cultura e na inovação. As empresas arriscam menos, esperam por melhores tempos e por consequência há menos trabalho para os designers. No entanto, é precisamente nestes momentos de transição que é preciso reinventar-se, projectar o futuro. Uma ideia simples, política, seria a criação de bolsas de criatividade para ajudar as empresas a investir no design. Temos um capital humano de qualidade, boas mentes, é urgente criar as condições para pôr os designers a escreverem o futuro de Portugal.

Que conselhos daria aos jovens designers que estão a começar as suas carreiras agora, e gostariam também de ser convidados por Presidentes de Estado um dia :-)?

Não tenho conselhos a dar a ninguém, nem quero estar nesta posição, não sou um exemplo. Cada pessoa tem as suas motivações e caminho próprio para seguir. Não há receitas, especialmente numa profissão criativa. Apenas digo para ser genuíno e ter confiança no futuro.

Tem algum projecto ou colaboração futura que possa partilhar connosco? O que podemos esperar nos próximos anos?

Tenho vários projectos em andamento e colaborações novas. Não me arrisco a referir algum em especial, nunca se sabe o que pode acontecer.

Topazio Toni GriloJARRA SYMBIOSIS, Topázio

Recentemente foi curador e criador das peças de arte da colecção de luxo comemorativa dos 150 anos da Topázio? Podemos saber um pouco sobre o sucesso das criações dos 15 designers escolhidos?

As peças estão prontas e fabulosas, estou orgulhoso do trabalho dos designers e dos artesãos da Topázio. Houve muito empenho durante mais de um ano, foi uma aventura humana. Inaugurámos a exposição no dia 28 de Novembro no MUDE em Lisboa, onde ficará até 6 de Janeiro, depois seguem para outras paragens. 

Como está a ser a aceitação das peças?

A inauguração teve um impacto forte, as peças estão a ter uma aceitação que supera a expectativa. O meu objectivo era ter uma colecção diversa, muito criativa, com jarras muito diferentes umas das outras, próprias de cada criativo convidado. A minha satisfação é receber comentários do público a destacar peças sempre diferentes, consoante os gostos das pessoas. 

Como o projecto acrescentou valor à marca?

A Topázio é uma marca já com muito valor, perdura há um século e meio!

O meu objectivo foi criar um projecto fora da coleção corrente, capaz de colocar a marca no futuro, num posicionamento contemporâneo, e valorizar o artesanato tradicional que permite realizar as ideias dos designers de hoje.

Ao longo do projecto o que foi mais difícil e o que o fez vibrar? Voltaria a repetir?

No geral, o que me move no trabalho quotidiano é a aventura humana. Este projecto em especial reúne pessoas muito interessantes, tanto no campo dos criativos como de produção, na Topázio. É um prazer criar momentos de comunhão, gosto de provocar as ideias, e assim do nada nascem projectos. Repito com certeza.

Falca cadeira
FALCA ARM CHAIR. Blackcork

Levantando um pouco o véu do que nos trás 2025, como acolheu a ideia de ter peças numa cafetaria de um museu de arte contemporânea, e assim iniciar uma relação com uma loja que ao promover o design e produção portuguesa junto de visitantes nacionais e internacionais, concretizou algo no campo da inovação? 

É uma excelente ideia. Faz todo o sentido um museu nacional colaborar com empresas ou designers, expor peças relevantes e feitas no país atualmente, o que se faz bem em Portugal ao público internacional. Afinal de contas, um turista que entra num museu procura conhecer melhor a cultura do país.

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